"Anǐma, ela se chamava.
Viveu tempestuosos dias, sem acreditar em si ou no que a rodeava.
Todos os rostos pareciam o mesmo, todas as sombras esconderijos para monstros que lhe cediam lugar nas noites gélidas da solidão.
Procurava algo, mas não sabia o quê, até não procurar mais.
Mas o vazio não a abandonava.
Fazia já parte do seu ser, preenchia já quase toda a sua totalidade, pois sua tristeza gerava força e energia negra que se apoderava de seu coração.
Chegava a muitos becos sem saída, em que ela se encostava a paredes nuas tão altas como o próprio céu.
Ficava ali dias, sem se alimentar de luz: não queria voltar a percorrer de novo o estreito caminho que a levava ao ponto de partida, para recomeçar a caminhada rumo ao fim do labirinto.
Esquecia-se que os dias passavam, não dava pelo avançar do tempo.
Os olhos direccionavam-se para o vazio, mas estavam tão escuros como a noite, já nada viam.
Não encontrava uma razão para lutar, nem para viver.
Debaixo de toda aquela chuva, levantava-se e estendia a mão bem para o alto para apanhar a chuva, mas quando descia o braço e abria a mão esta estava vazia como antes. Como ela.
Um dia sem que se apercebe-se ao fim do escuro beco uma pequena luz surgia. Levou dias até que os olhos cegos recuperassem brilho e notassem aquele calor. Então finalmente, e agarrando-se com dificuldade aquelas paredes ásperas, conseguiu meter-se em pé, e foi seguindo aquela luz, pela apertada avenida sombria.
A luz era tão ténue que se confundia realidade e sonho - poderia ser uma simples ilusão da sua mente, mas já nada importava, já nada valia mais a pena que seguir a esperança. E foi essa esperança que lhe foi dando forças para continuar, que a foi alimentando o suficiente para colocar um pé à frente de outro consecutivamente. Tinha que chegar àquela luz.
Caminhou durante meses, lentamente, em que apenas teve o som da sua respiração fraca como companhia. Mas a luz ia intensificando-se, e ela finalmente conseguiu chegar à porta aberta que a livrou do pesadelo, para a luz que lhe curou a cegueira, para a vida!
Anǐma conheceu Cor.
Gentil, pegou em suas mãos frias e fechou suas mãos em torno das dela para as aquecer, aproximando-se, dando-lhe apoio quando ela mais necessitava, pois ela ainda se encontrava fraca.
Ela encostou-se a ele, sentia seus corações baterem juntos, e fechou os olhos ao fim de muito tempo. Já não tinha medo.
Ficaram assim o que pareceu ser uma eternidade, mas ela tinha que repousar num outro lugar, curar as feridas que se tinham aberto por todo o seu corpo.
Ele ajudou-a, aparecendo por vezes junto dela, para se ficarem a olhar sem tecer uma única palavra, começando o tempo a parar quando se juntavam, tornando-se mais frequentes as suas visitas.
Ela foi curando-se com sua presença, com seu sorriso, com sua luz.
Ele sabia ser o destino quando a encontrou, fraca, a precisar de calor, enquanto habituava seus olhos à luz. Sabia-a um anjo perdido, que necessitava da sua protecção. E protegeu-a. Na sua presença esquecia o tempo, esquecia todo o universo. Ele contemplava-a e nunca se cansava.
Ela não se queria separar dele. Ele era a sua luz.
Esse ser intemporal que o tempo é, deitou ao vento todas as perguntas que não foram feitas, todos os passados que não foram conhecidos, tudo o resto que agora não voltaria a ser importante.
Ele amava-a.
Ela amava-o.
Cor, ele se chamava.
Anîma, ela se chamava."
Texto da minha autoria *
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